Uma antiga decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) envolvendo o processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco foi derrubada, em Brasília, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em 2019, foi padronizada a indenização por danos morais aos moradores que sofreram com a interrupção do abastecimento de água nos dias seguintes à tragédia. Foi estabelecido o direito de cada vítima receber R$ 2.300.
Essa uniformização do valor da indenização foi anulada na última terça-feira (21) pela Segunda Turma do STJ. A decisão – por unanimidade – atendeu a um pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Os atingidos também foram ouvidos pelo STJ, que criticou a decisão do TJMG e considerou irrisório o valor fixado.
O rompimento da barragem, localizada na zona rural de Mariana (MG), ocorreu em novembro de 2015. Na ocasião, foram lançados 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que formaram uma avalanche e atingiram o rio Doce, gerando impactos em dezenas de municípios mineiros. e Espírito Santo até a foz na cidade de Linhares (ES).
A interrupção repentina do abastecimento de água afetou milhares de moradores. Em muitos casos, sem previsão de regularização, a mineradora e seus acionistas Vale e BHP Billiton tiveram que pagar o abastecimento por meio de caminhões-tanque.
A situação gerou uma enxurrada de ações judiciais buscando reparação e indenização por danos morais. Diante da situação, a Samarco solicitou a constituição de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).
Trata-se de uma inovação no Código de Processo Civil que entrou em vigor em 2015. Por meio do mecanismo, um entendimento é estabelecido e deve servir de parâmetro para que os juízes analisem ações repetitivas sobre determinada matéria. Além de agilizar a justiça, o IRDR busca evitar sentenças contraditórias em processos sobre o mesmo assunto.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais acatou o pedido da mineradora para que fosse estabelecido um entendimento único sobre o valor da indenização e tomou a decisão em outubro de 2019. Desde então, os julgamentos no estado começaram a reconhecer os direitos das vítimas do tragédia no estado receberá R$ 2.300. Podem ser permitidas exceções nos casos em que circunstâncias específicas justifiquem um valor mais elevado. Mas, para adultos em condições normais de saúde, a padronização precisaria ser respeitada.
O Ministério Público estimou que havia cerca de 50 mil ações individuais tramitando no TJMG envolvendo o tema e defendeu que a indenização não deveria ser inferior a R$ 10 mil. Esta posição, porém, não foi aceita pela corte mineira.
Falta de participação
Ao analisar o caso, o STJ avaliou que o TJMG não respeitou os requisitos do Código de Processo Civil para iniciar o Incidente de Resolução de Sinistros Repetitivos.
Um dos problemas destacados foi a falta de participação dos representantes das vítimas no julgamento. “O IRDR não pode ser interpretado de forma a dar origem a uma espécie de ‘justiça cidadã sem rosto e sem palavras’, silenciando as vítimas de danos em massa em favor do causador do dano”, disse o ministro Herman Benjamin, relator do caso .
“A participação das vítimas de danos em massa – autores de ações repetitivas – constitui o núcleo duro do princípio do contraditório no julgamento do IRDR. É o mínimo que deve ser exigido para garantir o cumprimento do devido processo legal, sem prejuízo da participação de terceiros atores relevantes, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, a participação desses órgãos públicos não isenta esta mínima contradição”, acrescentou.
O STJ também considerou que o IRDR, via de regra, deve ser instaurado com base em processos que já tramitam em segunda instância e que envolvem questões de direito decorrentes de demandas de massa. Conforme apontado no relatório do ministro Benjamin, aprovado pelos demais magistrados, a Samarco indicou como representativo da polêmica um processo que tramitava em tribunal especial e outro que ainda estava em primeira instância.
Procurado por Agência Brasil, a mineradora informou que não comentará o assunto. A decisão do STJ apenas anula a uniformidade das sentenças proferidas pelos tribunais mineiros.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) também instituiu o IRDR para normatizar a indenização por danos morais relacionados ao corte no abastecimento de água. A decisão – tomada em 2017 – apontou que a interrupção do abastecimento nos municípios capixabas foi inferior a cinco dias e fixou o valor de R$ 1 mil para os moradores afetados.
Os pagamentos têm sido feitos pela Fundação Renova, entidade criada a partir de um acordo de reparação de danos assinado poucos meses após a tragédia entre Samarco, Vale, BHP Billitonas, a União e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo.
Conhecido como Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), estabeleceu programas a serem implementados, incluindo remuneração. As mineradoras foram responsáveis pelo custeio de todas as ações pactuadas e a gestão das medidas ficou a cargo da Fundação Renova.
A entidade informou que, no caso do julgamento do IRDR, não faz parte do processo. Em relatórios já divulgados, a Fundação Renova afirma que, até dezembro de 2023, destinou R$ 13,89 bilhões para compensações. Os pagamentos relativos à interrupção do fornecimento de água representam cerca de 2,2% desse total, totalizando R$ 305,5 milhões.
Perda de lucros
Outra decisão judicial também favorável aos atingidos foi tomada recentemente pela Justiça Federal. O juiz Vinícius Cobucci determinou, no dia 15 de maio, que fosse mantido o pagamento dos lucros cessantes, ou seja, os ganhos financeiros que os trabalhadores não conseguiram obter desde o rompimento da barragem. Muitos dos beneficiários da decisão são pescadores. A pesca foi uma das atividades mais afetadas devido à poluição das águas e à morte de peixes.
A polêmica envolve a suspensão desses pagamentos com base no sistema de indenização simplificado conhecido como Novela, que vigorou entre 2020 e 2023. A Fundação Renova foi autorizada a implementá-lo após polêmica decisão judicial que fixou valores para diversos tipos de danos .
Para aderir ao Romance, os afetados precisavam assinar um acordo amplo e definitivo. Segundo a Fundação Renova, por meio do documento, eles abriram mão de todos os créditos financeiros decorrentes do rompimento. Em relação aos lucros cessantes, os trabalhadores afetados que aderiram à Novel tiveram direito a valores que dariam direito ao prazo de 71 meses, contados de novembro de 2015 a outubro de 2021. O repasse foi feito em parcela única.
Muitos dos que aderiram à Novel já estavam inscritos no Programa de Indenização Medida (PIM), que entrou em vigor em 2016. Foi o primeiro sistema voltado ao pagamento de indenizações. As transferências relativas aos lucros cessantes mensais ocorridos por meio do PIM foram interrompidas para quem aderiu à Novel.
Na nova decisão, Cobucci destacou que não é possível falar em quitação irrestrita e absoluta, sem qualquer parâmetro temporal. Ele observou que o Tribunal já descartou danos futuros decorrentes do acordo. Segundo ele, este é o caso dos lucros cessantes, que são “causados pela notória incapacidade da Renova em produzir ações reais, concretas e significativas para a efetiva recuperação das condições econômicas e ambientais anteriores ao desastre”.
Cobucci afirma que, enquanto não for possível reiniciar com segurança as atividades produtivas, haverá consequências. “Haveria enriquecimento sem causa por parte dos causadores dos danos, pois não indenizaram as vítimas pelos efeitos continuados e permanentes do rompimento da barragem, que se renovam ao longo do tempo e pela inércia em produzir condições socioeconômicas e ambientais ideais ” , ele adicionou.
Ele concordou parcialmente com a afirmação da Fundação Renova de que o lucro cessante não poderá mais ser pago se o atingido estiver realizando outras atividades produtivas diferentes das originais.
Considerou, no entanto, que cabe à entidade comprovar esta situação e que é necessária sensibilidade para avaliar cada caso. “Se o afectado foi obrigado a procurar outra actividade económica, por falta de pagamento dos lucros cessantes e se essa actividade for precária, obviamente o direito não pode ser negado”, argumentou.
Em nota, a Fundação Renova informou que comentará o assunto nos autos do processo. A decisão de Cobucci determina ainda que a entidade implemente integralmente o PIM em cinco municípios do litoral capixaba – São Mateus, Linhares, Aracruz, Serra e Conceição da Barra. Dessa forma, os atingidos nessas localidades poderão receber indenização pela tragédia.
Os cinco municípios citados na decisão já haviam sido reconhecidos como atingidos pelo Comitê Interfederativo (CIF), coordenado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e responsável por definir diretrizes para as ações reparatórias executadas pelo Fundação Renova. No entanto, o assunto foi levado à Justiça pela Samarco. Ainda no mês passado, o Tribunal validou a posição do CIF. Assim, o número de cidades afetadas subiu para 43.
joias vip
site uol
uol pro
bola de futebol png
bolo de futebol png
oi google tudo bem