Desde que o governo do Equador decretou que o país vive um “conflito armado interno”, em 9 de janeiro deste ano, houve relatos de execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias e torturas supostamente praticadas pelas forças de segurança e militares do país, segundo uma investigação da Human Rights Watch (HRW).
Esta semana, a organização não governamental (ONG) internacional de direitos humanos enviou uma carta ao presidente equatoriano, Daniel Noboa, denunciando os alegados casos de abusos e pedindo medidas para prevenir violações dos direitos humanos.
A HRW questionou também o decreto de “conflito armado interno”, argumentando que não existem elementos suficientes para afirmar que o país vive um conflito interno, devido à falta de organização e poder militar dos grupos criminosos.
“O governo equatoriano falhou sistematicamente em apresentar provas suficientes de que o combate com qualquer um dos 22 grupos criminosos constitui um conflito armado não internacional”, afirmou a ONG.
O Equador viu a violência explodir no país nos últimos anos. Entre 2019 e 2023, os homicídios no país sul-americano cresceram 574%, segundo o Observatório Equatoriano do Crime Organizado. Em janeiro deste ano, uma onda de violência colocou o país nas manchetes mundiais, quando traficantes de drogas realizaram sequestros, explosões e até a invasão de um telejornal ao vivo.
Prisões
O governo então declarou guerra ao crime organizado e passou a classificá-los como “terroristas”. De Janeiro a 11 de Março, o governo informou ter detido mais de 13 mil pessoas.
“Os militares, que controlam as prisões do Equador desde janeiro, mantiveram os detidos incomunicáveis, dificultando por vezes o seu direito de consultar advogados ou obter assistência médica. Os soldados parecem ser responsáveis por vários casos de maus-tratos e alguns casos de tortura na prisão”, afirma a organização.
A HRW disse ter recebido relatos de que pessoas estavam sendo presas simplesmente por passarem por operações policiais. “De acordo com organizações de direitos humanos e advogados, estas detenções afectaram especialmente jovens de bairros pobres”, relatou ela.
Um dos processos analisados pela organização é a prisão de 22 pessoas no dia 20 de janeiro, todas acusadas de “terrorismo”. Familiares relataram que passaram dias sem saber para onde os presos foram levados, até descobrirem que estavam em uma penitenciária a 180 quilômetros de onde moram.
“O caso, que a Human Rights Watch analisou, não fornece provas que liguem esta pessoa ao ‘terrorismo’ ou a qualquer outro crime. Em 4 de março, um promotor alterou as acusações para ‘tráfico de armas’”, destacou o comunicado.
A HRW entrevistou supostas vítimas de abusos, advogados e familiares, solicitou informações às instituições do país, analisou fotografias e vídeos e participou em audiências judiciais, além de analisar ficheiros de diversos casos.
“A militarização das ruas e prisões do Equador levou a graves violações dos direitos humanos por parte das forças de segurança”, afirma a ONG, que afirma ter verificado vídeos “que mostram espancamentos e outros tratamentos abusivos durante as detenções”.
Execuções
Até 19 de abril, a Procuradoria-Geral da República tinha aberto oito investigações sobre execuções extrajudiciais e a HRW analisou três casos, um dos quais considera que existem provas que indicam que se tratou de uma execução extrajudicial.
É o caso do assassinato do jovem Carlos Javier Veja, de 19 anos, e do ferimento de seu primo Eduardo Velasco, em Guayaquil, no dia 2 de fevereiro. Ambos foram rotulados de “terroristas” pelo Exército. Segundo a ONG, os relatórios recolhidos e as imagens analisadas do incidente “contradizem o relatório do Exército”.
“O caso aberto contra Eduardo, que foi analisado pela Human Rights Watch, não mostra nenhuma evidência de que ele pertencesse a um grupo criminoso ou mesmo portasse armas naquele dia”, afirma a carta da HRW enviada ao Presidente Noboa.
“No dia 22 de março, o Ministério Público pediu a um juiz o encerramento da investigação contra Eduardo. O caso foi encerrado no dia 10 de abril e Eduardo foi solto”, acrescentou.
Impunidade
A organização internacional também disse que está preocupada com a impunidade dos casos de violações dos direitos humanos promovidos pelo Estado devido às declarações do Presidente Noboa e da Assembleia Nacional do Equador.
Em comunicado, o Parlamento do país afirmou que concederá amnistia e indulto aos membros das forças de segurança “sempre que necessário para garantir o seu trabalho”. Noboa atacou um juiz que afirmou que os militares violaram os direitos de sete pessoas presas.
“Que nenhuma pessoa antipatriótica venha dizer-nos que estamos a violar os direitos de alguém quando protegemos os direitos da grande maioria”, disse Noboa num evento público no dia 15 de Fevereiro.
Governo do Equador
A Agência Brasil contatou assessores do governo equatoriano e aguarda feedback sobre a posição oficial do país em relação à declaração da Human Rights Watch.
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