São Paulo – O Centro de Testes de Narcóticos do Polícia Técnico-Científica paulista identificou 34 tipos de drogas K, como são chamadas as variações dos canabinoides sintéticos, entre as Novas Substâncias Psicoativas (NSP) que foram apreendidas nas ruas de São Paulo.
Também conhecidas como “maconha sintética”, as drogas K são 100 vezes mais potentes que a maconha natural e causam a chamada “efeito zumbi”, debilitando o usuário física e psicologicamente. Segundo a polícia, eles representam mais da metade do NSP apreendido no ano passado.
Os NSP são definidos pela Polícia Científica como medicamentos com efeitos semelhantes aos “já proibidos pela legislação”, podendo ser medicamentos, produtos farmacêuticos controlados ou mesmo produtos químicos sintetizados, “criados para imitar as ações e efeitos psicoativos de outras substâncias controladas”.
Um relatório do Centro de Exames de Narcóticos, obtido pelo Metrópolesmostra que 52% das 2.892 apreensões de NSP realizadas na capital paulista, entre o segundo semestre de 2022 e dezembro de 2023, eram de canabinoides sintéticos.
No documento, o diretor da agência, Alexandre Learth Soares, afirma que o cenário “reforça ainda mais a importância e a preocupação com esta classe” de medicamentos. Os demais tipos de substâncias sintéticas apreendidas são compostos por estimulantes (35,6%), alucinógenos e dissociativos (7,7%), opioides (4,3%), além de sedativos e hipnóticos (0,6%).
“Muitas substâncias”
Professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com atuação na área de dependência química, o médico Thiago Fidalgo afirma que os NSP “são um monte de substâncias” que os traficantes testam para garantir reações nos usuários e lucro. para eles.
“Os traficantes desenvolvem moléculas e as testam, vendo se é comercialmente viável, se é ‘barato’, se é bem recebido pelos usuários. Então, por conta disso, nos últimos anos temos visto um grande aumento de substâncias, a maioria delas sintéticas, feitas em laboratório, com efeitos semelhantes ao THC. [princípio ativo da maconha]cocaína, etc., vendida pelos traficantes”, afirma o especialista.
“As pessoas compram drogas e não sabem o que estão comprando, e quem vende, no final, não sabe o que está vendendo, muitas vezes”, acrescenta o professor.
As misturas, segundo Fidalgo, são uma “estratégia” comercial dos traficantes. Ele usa como exemplo a indústria de tecnologia, que todos os anos lança novos modelos, como celulares e computadores, para instigar seu público-alvo.
“O tráfico faz a mesma coisa, prometendo uma droga mais forte, com efeito mais intenso, mais barata. Mas ninguém vai pegar uma mesa, fazer uma análise e dizer quais moléculas estão presentes naquele medicamento”, afirma. Segundo ele, em muitos casos, o medicamento entregue pelo traficante não corresponde ao que foi prometido ao usuário.
Poucos dados
Por ser um tema ainda novo, tanto para policiais quanto para cientistas, o professor da Unifesp afirma que ainda não há dados, pesquisas e testes eficazes de detecção de drogas K e outras substâncias sintéticas.
Isso motivou o início de um estudo, baseado no atendimento de pacientes, que deram entrada no Pronto Socorro do hospital da Unifesp, na capital paulista, alegando necessitar de atendimento por causa do suposto consumo de medicamentos K.
“Fazemos então um exame de urina padronizado para tentar detectar se é a droga K ou não. Metade das pessoas que disseram ter usado maconha sintética na verdade fumaram maconha natural. Eles pensaram que era uma coisa, mas era outra.”
O efeito dos medicamentos K é tão forte que, como mostrado por Metrópolesseu uso foi proibido pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) nas proximidades das biqueiras e até na Cracolândia, para não atrair equipes de saúde para locais de tráfico.
Vídeo
O efeito placebo, acrescenta o professor, já foi identificado de forma ainda mais radical num estudo em que foram avaliados comprimidos de ecstasy, apreendidos pela polícia, em discotecas. Para espanto dos pesquisadores, 70% delas eram farinha de trigo.
“O trabalho policial nos ajuda muito, porque a partir do que eles aprendem e identificam, podemos realizar nosso trabalho também nas áreas de saúde e ciência.”
Em 1988, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução na qual relaciona, define e classifica substâncias e medicamentos especiais de controle no país. Desde então, a lista tem sido atualizada frequentemente, com base no trabalho da polícia científica e das universidades, ao detectar uma nova droga e confirmar a sua “estrutura” como pertencente a um NSP.
A partir daí, a substância passa a constar da lista de medicamentos “proibidos”. Com base nesse critério, foram incluídas as 34 novas substâncias apreendidas no ano passado em São Paulo pela polícia.
“Efeito Zumbi”
A chamada maconha sintética ou drogas K causam o “efeito zumbi” em seus usuários. Isso ocorre porque os canabinóides produzidos em laboratório se conectam aos receptores canabinóides do corpo de forma “total”, causando um efeito mais poderoso. A maconha natural é parcialmente associada, através do Tetrahidrocanabinol (THC).
De acordo com Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos Estados Unidos, usuários da chamada maconha sintética podem apresentar sintomas de ansiedade, agitação, náusea, vômito, quadrilpressão alta, convulsões, alucinações, pânico, incapacidade de comunicação, paranóia, agitação e agressão.
“Efeito zumbi” e convulsões: conheça o tempero, a droga proibida pelo PCC
Apesar de ser chamada de maconha, a substância não apresenta semelhança molecular com a droga natural. A única semelhança com a erva é a capacidade do canabinóide sintético de se conectar com os mesmos receptores cerebrais. Até à data, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodoc) identificou 353 variantes de canabinóides sintéticos em todo o mundo.
Em São Paulo não é diferente. Segundo relatório da Polícia Científica, entre julho de 2022 e todo o ano de 2023, foram identificados 87 NSP no estado, dos quais 45% eram canabinoides sintéticos. Considerando o corte feito pela polícia — o segundo semestre de 2022 e todo o ano de 2023 —, foram registradas 4.936 ocorrências de apreensões do NSP.
Durante este período, o Metrópoles mostrou que houve um aumento nas apreensões de drogas K tanto nas ruas como no sistema prisional.
Da prisão para a rua
A primeira apreensão registrada de maconha sintética, em São Paulo, ocorreu na véspera de Natal de 2017, na Penitenciária Presidente Bernardes, no interior de São Paulo. Na prisão, a droga se chama k4 e chega pulverizada em folhas de papel, ou fotografias.
Com a popularização no sistema prisional e o aumento da produção – realizada em laboratórios clandestinos e assessorada por químicos profissionais – a droga passou a se tornar mais presente nas apreensões feitas pela polícia, a partir de 2021.
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