Cannes (França) – Após 11 dias de imersão cinematográfica, na noite deste sábado (25/5), o Júri do 77º Festival de Cinema de Cannespresidido pela diretora, roteirista e atriz americana Greta Gerwig, e também composto pelo roteirista e diretor de fotografia turco Ebru Ceylan, pela atriz americana Lily Gladstone, pela atriz francesa Eva Green, pela diretora e roteirista libanesa Nadine Labaki, além do diretor e roteirista espanhol Juan Antonio Bayona, o actor italiano Pierfrancesco Favino, o realizador japonês Kore-eda Hirokazu e o actor e produtor francês Omar Sy, apresentaram a lista de vencedores entre os 22 filmes apresentados na Competição deste ano.
Anora, de Sean Baker (do The Florida Project), recebeu a Palma de Ouro e a comovente justificativa de Greta: “Esse filme incrivelmente humano que conquistou nossos corações, nos fez rir, nos deixou com esperanças além da esperança e depois partiu nossos corações e nunca mais perdemos. visão da verdade.”
Sean Baker, incrédulo, agradeceu e disse: “Vou lutar pelo cinema porque, como cineastas, precisamos lutar para manter o cinema vivo. Isso significa fazer filmes destinados a serem exibidos nos cinemas. O mundo precisa ser lembrado de que assistir a um filme em casa enquanto navega pelo telefone, lê e-mails e presta atenção não é o caminho. Assistir filmes com outras pessoas no cinema é uma das grandes experiências comunitárias, compartilhamos risos, tristezas, raiva, medo e, com sorte, temos catarse com nossos amigos e desconhecidos – e isso é sagrado. Por isso digo que o futuro do cinema está onde começou, numa sala de cinema.”
Este é o quinto filme distribuído pela NEON a ganhar a Palma de Ouro consecutiva. Antes dele, Parasita, Titane, Triângulo da Tristeza e Anatomia de uma Queda. Destes, apenas Titane não conseguiu transformar a Palma de Ouro em indicações ou prêmios ao Oscar.
O Grande Prémio do Júri, segundo lugar, foi para o drama All We Imagine as Light, do realizador indiano Payal Kapadia, que dramatiza a vida de três mulheres na metrópole de Mumbai. O Prémio do Júri, terceiro lugar, foi para Emília Pérez, do realizador francês Jacques Audiard, musical ambientado no México sobre um traficante de droga submetido a uma cirurgia de redesignação sexual.
Emilia Perez é estrelada por Zoe Saldana, Selena Gomez, Karla Sofia Gascon e Adriana Paz, e as atrizes ganharam coletivamente o prêmio de melhor atriz do festival.
Jesse Plemons ganhou o prêmio de melhor ator em Tipos de Bondade, do diretor Yorgos Lanthimos (de Pobres Criaturas), no qual interpreta três personagens em três histórias contadas com muita acidez e crueldade.
O português Miguel Gomes ganhou o prémio de melhor direção por Grand Tour. Miguel dirigiu grande parte do filme remotamente, pois as filmagens ocorreram durante a pandemia de Covid-19. O Brasil pode se sentir comemorado, pois os diretores de arte Thales Junqueira e Marcos Pedroso trabalharam na produção com Miguel Gomes.
A francesa Coralie Fargeat ganhou o prêmio de melhor roteiro com The Substance, terror corporal que trata do preconceito de idade na indústria audiovisual. Demi Moore é a protagonista, interpretando uma apresentadora de televisão, recentemente demitida após completar 50 anos, que decide se submeter a um revolucionário procedimento de rejuvenescimento. Suas consequências são desastrosas e bizarras.
O júri atribuiu também um prémio especial ao realizador iraniano Mohammad Rasoulof, que fugiu do país após filmar A Semente do Figo Sagrado, uma obra crítica ao regime opressivo do país.
Jorge Lucas
O momento mais bonito da cerimônia de premiação aconteceu quando o diretor Francis Ford Coppola, que havia viajado à Riviera Francesa para apresentar sua Megalópole, subiu ao palco para homenagear, com a Palma de Ouro honorária, seu amigo e colaborador George Lucas (de Star Wars: Star Wars). George trabalhou como assistente de produção em The Way Over the Rainbow (1968), dirigido por Coppola.
Brasil premiado em Cannes
A Semana da Crítica premiou o brasileiro Ricardo Teodoro como Melhor Ator Revelação por sua atuação no drama Baby, de Marcelo Caetano.
“Trabalho como ator de teatro há anos e sempre pensei que se algum dia tivesse uma oportunidade, iria agarrá-la com todas as minhas forças. E quando apareceu o personagem do Ronaldo, lutei muito para fazer isso com a alma. Vim de uma cidade de 4 mil habitantes, no interior de Minas Gerais, e sempre sonhei em estar em um festival como Cannes. Voltar com esse prêmio é sensacional”, comemorou Ricardo.
Crítica de Anora, filme vencedor da Palma de Ouro
Diretor e roteirista de Tangerina, Projeto Florida e Red Rocket, exibido no Festival de Cannes 2021, Sean Baker tem a capacidade de expor e descascar realidades marginalizadas na sociedade americana com uma sensibilidade que falta à maioria dos autores da cena independente. O cineasta é o tipo de autor apaixonado por seus personagens e, imagino até, se conseguisse superar a barreira da dramaturgia cinematográfica e as exigências narrativas encontradas na arte, daria o melhor mundo possível a cada um deles.
É o caso de Anora, ou Ani, como prefere ser chamada, uma dançarina erótica de uma boate da moda de Nova York que, uma noite, por ser fluente em russo, é convidada para conhecer Ivan, um impulsivo de 21 anos. -velho, filho de oligarcas muito ricos. A química bate e ele a convida para ser sua companheira durante uma viagem a Las Vegas, onde se casam, para desespero de Toros, Garnick e Igor, capangas de seus pais, que devem anular o casamento a qualquer custo. Mas Ivan escapa, e cabe ao quarteto procurá-lo na cidade até a hora de comparecer ao tribunal de Nova York.
O destaque fica por conta de Mikey Madison, que interpreta o personagem-título. A atriz de Pânico e Era uma vez em… Hollywood é um poço de energia sem fim, manifestada inicialmente sexualmente; depois, no sentimento de quem ganhou na loteria e desfruta o melhor que pode de um sonho de Cinderela até que a inevitável badalada da meia-noite a transforma em uma gata cinderela.
Após terminar a lua de mel, com Ivan fugindo da responsabilidade, a energia de Ani se transforma em uma combinação de esperança – de que ele tomará a decisão certa – e inconformismo – este último retratado na reação física e prolixa do personagem, que deve xingar o máximo de palavrões como Leonardo DiCaprio e Jonah Hill combinados em O Lobo de Wall Street.
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Falando assim, nem parece que Anora seja uma sedutora orgia de risadas pela forma como Sean Baker constrói as situações e as explora até o limite do absurdo e da ansiedade, ao mesmo tempo em que foge da maioria dos clichês comuns em obras similares. A longa sequência ambientada na casa dos pais de Ivan, mas que Ani acredita ser sua, é o melhor exemplo para entender como Sean Baker consegue ousar explorar a acidez das circunstâncias e a irreverência das atuações de Karren Karagulian, Yuriy Borisov e Vache Tovmasyan (não exatamente os tipos de capangas russos que o cinema nos apresentou).
Mesmo com esses personagens, Sean Baker se preocupa, pois eles apenas seguem ordens dos pais oligarcas de Ivan, ao mesmo tempo que lidam com a reação inesperadamente violenta de Ani. Aliás, ainda que a direção explore o corpo da personagem – porque, bom, ela é uma dançarina erótica e seria hipócrita e cosmético se não o fizesse –, ela não faz o mesmo no que diz respeito à sua humanidade e dignidade. . Ani não se intimida com esses homens e, se for fisicamente subjugada, isso só acontece depois de morder um e quebrar o nariz do outro. Essa força e resiliência são testadas ainda mais no clímax da narrativa, antes de Sean Baker devolver o personagem ao mundo real.
Como comédia, a narrativa é ótima pelo humor fácil e irreverente resultante de situações inusitadas. Como drama, idem, já que eventualmente a casca grossa da personagem é penetrada pelo mundo real que a rodeia. Como estudo do personagem-título, é um arraso.
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