São Paulo – Dois carros em movimento se encontram no meio de uma rodovia, em plena luz do dia. Com motores modificados, os veículos avançam a mais de 100 km/h, mudam de faixa diversas vezes e ultrapassam quem estiver no caminho. Toda a ação é filmada de diversos ângulos e exibida com orgulho na internet.
Vídeos de corridas de rua ilegais, as famosas rachas, alcançam milhares de visualizações nas redes sociais. Muitas vezes, o conteúdo é produzido por influenciadores, que se gravam e são celebrados pela prática, mesmo que se trate de uma infração de trânsito gravíssima.
Artigo 173.º do Código de Trânsito Brasileiro, em vigor desde 2014, proíbe corridas em vias públicas. A penalidade para quem comete a infração é multa de R$ 2.934,70, suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo, além de 7 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
No entanto, a legislação não impede que os pilotos compartilhem imagens das corridas — em alguns casos, nem mesmo as delegacias os intimidam.
No canal Auto Super, que conta com mais de 1,5 milhão de inscritos no YouTube, os apresentadores gravaram manobras em alta velocidade na Rodovia Anchieta, na divisa entre São Paulo e São Bernardo do Campo. Em vídeo publicado em setembro passado, carros passam por delegacia da Polícia Rodoviária Militar (assista abaixo).
Outra gravação, partilhada pelo canal Benga TV, também no YouTube, mostra os “códigos” dos pilotos para convocar uma corrida com desconhecidos. Eles aceleram e piscam os faróis, em sinal de aceitação para uma corrida. (Veja abaixo).
Acidentes causados por fissuras
O risco assumido pelos pilotos de corrida é ilustrado pelo caso envolvendo outro influenciador paulista. Em 2022, Rodrigo Barra, conhecido como “Alemão da Caravana”, bateu no carro de uma família, que estava com crianças, a mais de 170 km/h, durante uma corrida na Rodovia dos Bandeirantes. A batida foi gravada por ele, que chegou a cobrar uma taxa de seus seguidores pelo acesso às imagens. Apesar do impacto, ninguém ficou ferido.
O caso mais recente de tragédia supostamente causada por ruptura ocorreu na última segunda-feira (20/5). Em Barueri, na Grande São Paulo, uma passageira de mototáxi perdeu a perna após o veículo ser atropelado por uma Mercedes-Benz. A polícia identificou outro veículo semelhante no momento do acidente e acredita que tenha sido um acidente de carro.
No mês passado, um carro colidiu frontalmente com um ônibus em Guaianases, zona leste da capital. O acidente deixou duas pessoas mortas e três feridas. Moradores da região afirmaram que o local do acidente, a Rua da Passagem Funda, é conhecido como palco de corridas de rua.
Impunidade
Em entrevista com Metrópoles, o fundador e coordenador do projeto SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, questiona a impunidade em relação a esses casos. Segundo ele, é quase impossível que as autoridades monitorem essas cisões.
“Muitas vezes, quando você realiza uma operação especial, você pode evitá-la. Você vai aos locais onde há reuniões para fazer isso e apreende os veículos.”
Rachadura na rodovia Anchieta acabou passando em frente a delegacia durante corrida
Rachadura na rodovia Anchieta acabou passando em frente a delegacia durante corrida
Reprodução/ YouTube
Os motoristas envolvidos em uma corrida apresentam alguns sinais, como faróis piscando
Os motoristas envolvidos em uma corrida apresentam alguns sinais, como faróis piscando
Reprodução/ YouTube
Perfis postam corridas nas redes sociais e reúnem milhares de visualizações
Perfis postam corridas nas redes sociais e reúnem milhares de visualizações
Reprodução/ YouTube
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Rizzotto também questiona a facilidade para os infratores identificarem e, consequentemente, evitarem os radares instalados nas rodovias brasileiras. Segundo ele, nenhum outro lugar do mundo permite a identificação de radar de velocidade como no Brasil, o que facilita a prática de corridas ilegais.
Em um dos casos levantados pela reportagem, é possível ver uma corrida que passa ao lado de uma delegacia na Rodovia Anchieta, no km 10. Para Rizzotto, o fato demonstra a “ousadia” dos envolvidos nas corridas.
Consultado por MetrópolesÓ Detran de São Paulo informou que registrou 36 multas por disputas automobilísticas na capital paulista este ano. O número já se aproxima dos 37 casos registrados ao longo de 2023.
O órgão afirma que, em meados do ano passado, houve uma mudança na fiscalização desses casos. Atualmente, as infrações de trânsito, inclusive as relativas a disputas automobilísticas, também podem ser emitidas pela Polícia Militar, pelos órgãos municipais de trânsito ou pela Polícia Rodoviária.
Celebridades
Rodolfo Rizzoto também revela outra preocupação em relação ao assunto: a publicidade na internet. Segundo ele, as redes atrapalham a campanha de conscientização contra a cultura rachas.
“Estamos lidando com pessoas com centenas de milhões de visualizações. Eles se tornaram celebridades. Os jovens vão com seus familiares e pedem autógrafos. Eles estão fazendo fortunas, tanto que estão comprando Porsche, Ferrari e outros carros de luxo”, diz ela.
Para o ativista, esses influenciadores que publicam conteúdos relacionados a corridas na internet são incentivados pelas plataformas, que monetizam esse conteúdo e transformam a prática ilegal em algo atrativo. Por isso, uma das reivindicações do grupo que trabalha contra as rachas é que as redes não permitam esse tipo de publicação e retirem as que já estão no ar.
Sobre o assunto, um projeto de lei (PL nº 130/2020) que previa a suspensão da carteira de habilitação por 12 meses para quem publicar conteúdo com infrações de trânsito foi aprovado no Congresso, mas foi vetado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ó Metrópoles Ele tentou contato com os influenciadores citados na reportagem, mas não obteve resposta. O espaço permanece aberto para manifestações.
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