Alunos de escolas com altos índices de participação na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) obtiveram melhores resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). É o que mostra pesquisa realizada pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), organização dedicada aos estudos em educação. Divulgado nesta segunda-feira (27), o estudo revela ainda que essas instituições também registram maiores índices de aprovação de seus alunos e menores distorções na equivalência entre idade e série.
O critério de alta participação incluiu escolas em que pelo menos 65% dos alunos classificados participaram da segunda fase. Nessas instituições, constatou-se que o aprendizado de matemática não beneficia apenas os alunos que se destacam na matéria, mas toda a turma. “A Olimpíada de Matemática terá um impacto maior para todos os alunos se gerar mais mobilização”, observa o pesquisador e diretor executivo do Iede, Ernesto Faria.
Em um setor do grupo de escolas que teve alunos premiados na Obmep, mas que não registrou alta participação, chamou a atenção a desigualdade interna. Nestes casos, apesar do aumento nas médias do Enem, há também uma discrepância maior entre as notas dos alunos. “Se a Olimpíada de Matemática não gerar um efeito mobilizador na escola, pode acabar ajudando apenas um determinado perfil de alunos. E aí se perde o potencial de contribuir para a melhoria de alunos que de outra forma estariam apresentando desempenho inferior”, alerta Ernesto .
A nota média na prova de matemática do Enem, considerando todas as instituições onde houve alunos medalhados na Obmep, foi 516,1. Entre os que não participaram ou não foram premiados, a média cai para 488,5.
Além disso, também foi avaliado o desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicado bienalmente pelo Ministério da Educação desde 1990. Por meio dele são produzidos indicadores educacionais referentes a regiões, unidades da federação, municípios e instituições de ensino. Com base nos dados coletados, são realizadas análises envolvendo a qualidade, a equidade e a eficiência da educação praticada nos diferentes níveis de governo.
As escolas com alunos medalhados na Obmep registraram média de 270,3 pontos no Saeb para o ensino fundamental e 288,8 para o ensino médio. Aqueles que não participaram ou não tiveram vencedores tiveram médias de 240,2 e 269,8, respectivamente.
“As Olimpíadas são um programa muito importante que gerou ações de mobilização e reconhecimento da matemática nas escolas. Mas precisamos ver como não promover a desigualdade. . Tem essa capacidade de chegar às escolas e já gerou resultados. Mas pode ser ainda mais transformador”, afirma Ernesto Faria.
Segundo ele, o envolvimento na Obmep também favorece o acesso ao ensino superior. Escolas com altos índices de participação e alunos premiados apresentam maiores percentuais de alunos que alcançam média no Enem compatível com os requisitos para ingresso em faculdades públicas e privadas.
Criada em 2005, a Obmep é considerada atualmente uma importante política pública para promover o ensino de matemática no país. A competição é organizada pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), unidade de ensino e pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e ao Ministério da Educação (MEC). A 19ª edição, realizada este ano, registrou dois recordes. Em 99,9% dos municípios do país, pelo menos uma escola se inscreveu. Foi a cobertura territorial mais abrangente alguma vez alcançada. Além disso, com 56.513 escolas envolvidas, registou-se a maior participação desde o início da competição.
O próprio Impa atuou como parceiro técnico da pesquisa, assim como o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino Superior da Universidade de São Paulo (Lepes/USP). O estudo também contou com o apoio da B3 Social, instituição sem fins lucrativos.
Segundo Ernesto Farias, a pesquisa é importante porque fornece dados que ajudam a pensar formas de mudar o atual cenário brasileiro. A última edição do Saeb, de 2021, registrou o menor percentual de alunos com aprendizagem adequada em matemática em comparação à língua portuguesa.
No 5º ano da rede pública de ensino, por exemplo, a diferença foi de 14 pontos percentuais: 51% dos alunos tiveram aprendizagem adequada em português e apenas 37% em matemática. Subindo as etapas da educação básica, a discrepância torna-se mais acentuada. No 3º ano do ensino médio, apenas 5% dos alunos da escola pública registram aprendizado adequado em matemática.
Se considerarmos apenas os alunos de baixo nível socioeconômico, nas diferentes etapas da educação básica, esse percentual chega a 4,4%. Os pesquisadores lembram ainda que, segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), os jovens brasileiros de 15 e 16 anos estão cerca de três anos atrasados no aprendizado de matemática em comparação com aqueles da mesma idade que vivem em países desenvolvidos. .
“O Brasil tem desafios na educação em geral, mas o desafio na matemática é ainda maior. A alfabetização não pode ser apenas saber ler e escrever. Alfabetizar também deve ser usar bem os números, conhecer as quatro operações, mesmo as instituições privadas de elite têm desafios”, comenta Ernesto Faria.
Escolas públicas
O estudo também buscou identificar quantas e onde estão as escolas públicas que mais se destacam em matemática. Para mapear ações comuns que parecem contribuir para o bom desempenho dos alunos, os pesquisadores chegaram a visitar oito dessas unidades nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul.
No total, 71 das 47.418 escolas primárias e 80 das 20.606 escolas secundárias alcançam bons resultados em matemática, atendendo mesmo alunos de nível socioeconómico baixo e médio. Os investigadores manifestam preocupação com estes dados, até porque consideram que não utilizaram critérios demasiado rigorosos. Ainda assim, entre milhares de escolas, algumas dezenas se destacaram numa perspectiva nacional.
Durante as visitas de campo, quatro fatores nos chamaram a atenção: a existência de um bom relacionamento entre professor e aluno, que envolve confiança e apoio emocional; preocupação dos professores com a aprendizagem de todos, com estratégias voltadas para quem tem mais dificuldade; a busca por métodos e ferramentas que tornem o ensino mais atrativo; e oferecendo aulas com conteúdo mais aprofundado.
“Vimos algumas práticas interessantes, alguns professores muito fora do comum, realmente de muita qualidade. Mas não há estrutura nas escolas, de fato, que garanta o aprendizado para a maioria. , ao lado, na sala vizinha, tem alunos ali aprendendo matemática com menor exigência”, diz Ernesto Faria. Segundo ele, muitas vezes o bom desempenho de uma escola está mais relacionado a esses professores discrepantes do que a questões estruturais.
Para os pesquisadores, além de fortalecer a Obmep, é preciso pensar em políticas públicas que envolvam questões como melhorias estruturais e garantia de formação continuada aos professores. Experiências de sucesso no Brasil e no exterior podem ser mapeadas para servir de exemplo e serem replicadas.
“Às vezes tem até garantias da rede de ensino que são importantes. Eles dão apoio para organizar aulas preparatórias para a Obmep. Às vezes, garantem recursos financeiros extras para esse professor dar aula no final de semana. gerar aprendizagem dos alunos. Mas hoje não existe uma política de formação que permita que a escola tenha lá cinco ou dez bons professores de matemática, o que temos são casos de professores talentosos e depois algumas ações da rede de ensino permitem que eles tragam resultados”. acrescenta.
A pesquisa mostra também o alto percentual de professores sem formação adequada e a precariedade na contratação. Muitos deles têm contratos temporários e trabalham em escolas diferentes, em turnos alternados. “Um desafio que existe é a formação de professores na área. Inclusive, em pedagogia. Precisamos ter bons professores de matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. Eles não são especialistas, mas dão aulas de matemática e de língua portuguesa e temos que ser conseguir trabalhar o conteúdo de forma positiva”, observa Ernesto Faria.
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