O Brasil e os Estados Unidos (EUA) completaram esta semana 200 anos de relações diplomáticas, e a disputa que Washington mantém com Pequim no cenário internacional marcou a data, além dos seminários e audiências protocolares realizados no Itamaraty e no Senado Federal.
Durante visita ao Brasil para exercícios conjuntos com os militares brasileiros, a chefe do Comando Sul dos EUA, general Laura Richardson, criticou abertamente a China, alertando sobre supostos riscos para o Brasil caso o país entre no projeto da Rota da Seda Chinesa, que prevê parcerias comerciais e a infraestrutura.
O Comando Sul é responsável pela segurança dos EUA na América Latina e no Caribe. Laura Richardson destacou a existência de uma disputa global entre democracias e ditaduras e alertou que “as democracias com ideias semelhantes precisam de trabalhar melhor em conjunto”.
“Respeitamos os povos uns dos outros, as democracias, o que não acontece num país comunista, porque não respeitam os direitos do seu próprio povo. Já existe um histórico que a República Popular da China estabeleceu, não só na América Latina, mas em outros lugares do mundo”, disse o militar em entrevista ao jornal Valor Econômico.
A Embaixada do Brasil na China reagiu, em nota, dizendo que os Estados Unidos “adotam uma mentalidade típica da Guerra Fria e obedecem a uma lógica hegemonista. Eles tentam distorcer a percepção da opinião pública, desmoralizar a imagem da China e prejudicar a amizade e a cooperação com o Brasil, constituindo assim completas mentiras políticas.”
O sociólogo Raphael Seabra, do Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília (UnB), avalia que a posição dos militares norte-americanos não tem relação com as instituições democráticas brasileiras, mas reflete a postura do governo Joe Biden que, recentemente, aprovou leis para tributar produtos tecnológicos da China.
“Seu discurso [Laura Richardson] reflete uma tentativa de isolar a China, de fomentar algum conflito entre os governos da América Latina, neste caso específico, o governo brasileiro e o Estado chinês. É óbvio que, para os Estados Unidos, sempre fomos o seu quintal. Também mostra um pouco de desespero, pois os Estados Unidos passam por uma grave crise industrial, o que não é mais o caso”, comentou.
O professor de relações internacionais Alexandre Pires disse que os Estados Unidos estão tentando conquistar o Brasil como aliado em sua luta global para conter a China. “Uma opção que os Estados Unidos têm num cenário de disputa geopolítica é tentar criar aliados. O Brasil é um potencial aliado por questões geográficas, ou seja, estamos no mesmo hemisfério, mas temos que oferecer algo ao Brasil”, disse Pires, especialista do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).
Brasil entre potências
Para o professor do Ibmec, o Brasil deveria buscar aproveitar a disputa entre China e EUA, sem discordar desses governos para não sofrer as consequências de possíveis retaliações dada a sua dependência das duas potências.
“Temos que tentar equilibrar esta guerra económica que tem acontecido entre a China e os Estados Unidos, que não é só pela hegemonia, tem a ver com a transição energética, com as terras raras, com o controlo do mercado de recursos. A China tem feito jogo duro para controlar minas, rotas, portos de embarque, e isso vai contra os interesses dos Estados Unidos”, afirmou Alexandre Pires.
O professor da UnB Raphael Seabra destacou que, se há interesse de duas potências mundiais no Brasil, é preciso aproveitar essa disputa para trazer benefícios ao país.
“Faça como Getúlio Vargas fez. Getúlio Vargas chegou a uma série de acordos com [Franklin Delano] Roosevelt [presidente dos EUA de 1933 a 1945] que causou [o Brasil] tinha uma indústria de base, uma indústria nacional fortalecida”, lembrou.
Comércio exterior
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2023, o fluxo comercial entre Brasil e China ultrapassou US$ 157 bilhões, representando 30% de tudo que o país exportou e 22% de tudo que o país importou no ano passado.
Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com um fluxo comercial de quase US$ 75 bilhões. De tudo o que o Brasil exporta, 10% vão para os Estados Unidos, enquanto 15% do total das importações do país vêm de lá. Os dados são da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
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