Uma série de decisões tomadas por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) reacendeu na semana passada a discussão sobre o desmantelamento da operação Lava Jato. Especialistas indicam que as determinações são medidas corretivas para preservar a legislação e os direitos individuais, quebrados durante a operação.
Na terça-feira (21 de maio), o ministro Dias Toffoli anulou todas as decisões do julgamento da 13ª Vara Federal de Curitiba, sob o comando do então juiz federal e atual senador Sergio Moro (União Brasil-PR), contra o empresário Marcelo Odebrecht no Operação Lava Jato. Argumento semelhante foi utilizado por Edson Fachin em 8 de março de 2021 ao tornar elegível o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na mesma terça-feira (21 de maio), outros dois casos envolvendo personagens da Lava Jato ocuparam o Judiciário. A 2ª Turma do STF extinguiu a pena do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado por corrupção em primeira instância, no mesmo dia em que o mandato de Sergio Moro como senador foi mantido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
No caso de Marcelo Odebrecht, o ministro relator Toffoli reconheceu a “personalidade” envolvidos nos processos e solicitou a suspensão dos processos criminais contra Marcelo sob o argumento de que “conluio” entre procuradores e juízes da Lava Jato.
Em diversas mensagens apreendidas na operação Spoofing que veio à tona no início de 2021, os Ministérios Públicos – integrantes do MPF (Ministério Público Federal) – afirmam que se encontrariam com Sergio Moro, que o consultaram ou precisavam ouvir o opinião do juiz sobre algum ponto.
Há também conversas em que o então juiz federal fez requerimentos e instruções ao procurador Deltan Dallagnol, eleito deputado (Novo-PR), mas cassado. O sigilo das conversas foi retirado por Ricardo Lewandowski em fevereiro de 2021. O material tem, no total, 50 páginas.
Desde então, as decisões proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba foram desacreditadas pelos ministros. Foi quando o ministro Edson Fachin decidiu, em 8 de março de 2021, anular todas as decisões tomadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba nas ações penais contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), incluindo o 1º caso em que o presidente foi condenado (Triplex), e reiniciá-los na Justiça Federal do Distrito Federal.
Posteriormente, na Justiça do Distrito Federal, os casos do Triplex do Guarujá e do Sítio em Atibaia prescreveram (extinção da ação por decurso do tempo). Foram as duas únicas condenações contra Lula e os casos considerados mais “avançados”.
A decisão de Fachin foi confirmada no plenário da Corte no dia 15 de abril e, com isso, Lula tornou-se elegível e apto a disputar as eleições presidenciais de 2022, que venceu, tornando-se o primeiro político a ocupar o cargo de Presidente da República pela 3ª vez.
Ao anular todas as provas do acordo de leniência com a construtora Odebrecht, em setembro de 2023, Toffoli disse que a prisão do petista foi uma “armação” e “um dos maiores erros judiciais da história do país”. O acordo firmado com a construtora foi responsável por sustentar as acusações contra Lula.
Deslegitimação do julgamento
Contrariando a posição do ex-ministro da Corte Marco Aurélio Mello, de que o STF ajudou a enterrar a Lava Jato, o professor de Direito do Mackenzie, Alessandro Soares, afirma que a palavra “deslegitimação” do trabalho de juízes e procuradores que envolve a operação explica a série de decisões desfavoráveis à Lava Jato na Corte.
“Ó É feito É uma desmontagem, mas a questão que a rege é uma deslegitimação do processo”, disse ele.
Segundo o professor, não há como o Judiciário manter as decisões uma vez que reconhece a politização do processo. Segundo ele, se o Supremo Tribunal Federal nada fizesse após reconhecer a personalidade envolvida no caso, seria uma “mau sinal”pois abriria espaço para que mais magistrados atuassem da mesma forma.
“O Supremo Tribunal está corrigindo decisões judiciais que violam a lei. Eles [que firmaram acordo com o MPF] não estão sendo beneficiados pela lei, agora estão recebendo uma sentença devidamente fundamentada na legislação”, acrescentou.
No caso de Marcelo Odebrecht, a decisão de Dias Toffoli abordou as conclusões da operação Spoofing. Toffoli afirma que os magistrados e promotores públicos que atuaram na operação ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria inconstitucionalidade para garantir objetivos “pessoais e políticos”, razão pela qual declarou nulas as provas.
O mesmo aconteceu com o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB) que teve as provas anuladas e o processo ordenado por Toffoli em março. Ele era investigado por desvio de dinheiro em obras escolares, estradas estaduais rurais e irregularidades em concessões rodoviárias. A expectativa é que mais pessoas sob investigação sejam beneficiadas pelo Tribunal.
O advogado criminalista Sérgio Rosenthal apoia os argumentos de Soares. Para ele, a decisão de Dias Toffoli vem na mesma esteira de diversas outras decisões que foram tomadas por outros ministros, como Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que reconhecem a parcialidade do órgão julgador no tratamento da Lava Jato.
Há apenas uma peculiaridade nas medidas mais recentes: manter a validade da colaboração premiada. O STF reconheceu a pressão do MP e dos juízes sobre os investigados, além dos envolvidos, mas manteve o acordo firmado com o denunciante.
Direitos constitucionais
Sérgio explica que a decisão de Dias Toffoli é mais uma forma de o STF tentar preservar a garantia dos direitos constitucionais. Marcelo já cumpriu 2 anos da pena que lhe foi impugnada, pena assinada no acordo –agora– desacreditado. Toffoli entendeu que é direito subjetivo de Marcelo Odebrecht pleitear sua própria concordância e decidir aproveitar os benefícios apurados ou solicitar sua anulação.
As medidas decretadas por Toffoli são apenas algumas da série de ações do STF que derrubam o que foi chamado “maior operação anticorrupção” Brasileiro.
A penúltima terça-feira de maio (21 de maio) teve mais decisões envolvendo protagonistas da Lava Jato. A 2ª Turma do STF retomou, após 2 anos de suspensão, o julgamento do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O Tribunal acolheu, por 3 votos a 2, o recurso apresentado por Dirceu e determinou a prescrição (esgotamento do prazo) da punição que lhe foi aplicada em processo relacionado ao suposto recebimento de propina em contrato firmado entre a Petrobras (BVMF: ) e a empresa Apolo Tubulares.
O que aconteceu no caso do ex-ministro foi a prescrição do crime. Dirceu já tinha 70 anos quando foi condenado em 2016, por crime que os ministros entenderam ter sido praticado em 2009, quando assinou o contrato. Devido à idade de Dirceu, a lei define que o prazo de prescrição (12 anos) deve ser reduzido pela metade. Portanto, o crime expirou.
Sobre a suposta coincidência em relação às ações realizadas no âmbito da Lava Jato nesta terça, o advogado Sérgio Rosenthal afirma que, na verdade, diversas decisões estão ocorrendo porque há muitas reclamações envolvendo a operação tramitando no STF.
Para ele, basta analisá-los para perceber que os temas “extinção da pena de Dirceu”, “anulação da condenação de Marcelo Odebrecht” e “absolvição de Sergio Moro” não têm relação entre si, apesar de parecerem retaliação do STF no mesmo dia em que Moro obteve vitória na Justiça Eleitoral como senador. Moro foi acusado de cometer abuso de poder econômico em sua campanha eleitoral em 2022, um ano após o fim da Lava Jato.
Segundo relatório do gabinete de Edson Fachin, que assumiu como relator da Lava Jato em 2017, o ministro tomou mais de 20 mil decisões e despachos e analisou outros 30 mil petições de defesa até março de 2024. Foram tomadas 211 decisões colegiadas no período e aprovou 120 acordos de colaboração. Aqui está o relatório completo (PDF – 146 KB).
Em fevereiro deste ano, os pagamentos assinados no âmbito de acordos de leniência foram suspensos. Agora existe a expectativa de que os valores sejam revisados. Sérgio Rosenthal destaca que deve ocorrer uma renegociação de valores e não uma anulação. Convocada por André Mendonça, a última audiência destinada a renegociar os acordos firmados com as empresas durante a operação foi nesta quinta-feira (23 de maio).
TIRO DUPLO
Antes da dupla greve do STF contra a Lava Jato na terça-feira (21 de maio), o ministro Edson Fachin já havia determinado na segunda-feira (20 de maio) o arquivamento de um inquérito aberto em 2017 – iniciado pela Lava Jato – contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL ) e o ex-senador e ex-governador Romero Jucá (MDB-RR).
A investigação apurou o suposto pagamento de propina de R$ 5 milhões da Odebrecht a Calheiros e Jucá em troca de apoio à aprovação da medida provisória 627/2013, convertida na Lei 12.973/2014.
No final do mês passado, em 22 de abril, a ministra Cármen Lúcia negou recurso para suspender a decisão que condenava o ex-procurador da operação Lava Jato e ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Novo-PR) a pagar indenização em R$ 75 mil Presidente Lula (PT) pelo caso PowerPoint. A ferramenta foi utilizada pelo MPF para explicar as acusações contra Lula.
No dia 15 de abril, Nunes Marques anulou provas da Lava Jato contra o magistrado Mário Guimarães Neto, do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), acusado de receber R$ 6 milhões em propina. Segundo o ministro, “as provas produzidas em detrimento” por Guimarães Neto “através da violação do sigilo fiscal e bancário” foram entregues por “Julgamento incompetente” da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro. Aqui está o texto completo (PDF – 158 kB).
O ministro André Mendonça, no dia 26 de fevereiro, suspendeu provisoriamente as multas e autorizou as empresas que assinaram acordos de leniência durante a operação Lava Jato a renegociar os termos. No dia 1º de fevereiro, o ministro Dias Toffoli havia suspendido o pagamento de multas assinadas pela Novonor (ex-Odebrecht) no valor de R$ 8,5 bilhões.
A decisão é semelhante à que foi concedida à J&F em dezembro de 2023. Nos mesmos moldes do decidido no ano passado, Toffoli também autorizou a Novonor a ter acesso às provas coletadas na operação Spoofing.
No dia 9 de janeiro, Fachin publicou a anulação da pena de 24 anos de prisão contra o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. O ministro reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar o caso. Aqui está o texto completo (PDF – 246 KB).
Esta reportagem foi produzida pela estagiária de jornalismo Bruna Aragão sob supervisão da secretária adjunta de redação Simone Kafruni.
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