Os assassinatos do indígena Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em 5 de junho de 2022, causaram comoção internacional, mobilizando a opinião pública para além do Brasil. Apesar disso, organizações não governamentais (ONGs) que promovem a liberdade de imprensa e o livre acesso à informação criticam a demora na punição dos criminosos e na ampliação das medidas de proteção para comunicadores e ativistas de direitos humanos que trabalham na Amazônia.
“Dois anos depois das mortes de Dom e Bruno, poucas mudanças efetivas se materializaram no Brasil”, sustentam as entidades que compõem a Coalizão em Defesa do Jornalismo, em documento divulgado hoje.
“O país não forneceu informações sobre o caso […] As poucas informações compartilhadas evidenciam uma investigação e uma linha de investigação frágeis que, somadas às estratégias de proteção processual empregadas pela defesa dos acusados, distanciam as possibilidades da devida responsabilização.”
Bruno e Dom foram mortos a tiros no dia 5 de junho de 2022. A dupla havia se conhecido poucos dias antes, em Atalaia do Norte (AM), na fronteira com Peru e Colômbia. O experiente indigenista e o jornalista pretendiam percorrer a região e se aproximar da Terra Indígena Vale do Javari, segunda maior área da União destinada ao uso exclusivo indígena e que abriga a maior concentração de povos isolados do mundo.
Dom planejava entrevistar lideranças indígenas e ribeirinhas para escrever um livro-reportagem cujo título inicial era Como Salvar a Amazônia. Bruno já havia se formado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em fevereiro de 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro, por discordar das novas diretrizes relativas à implementação da política indigenista nacional. Na época, ele trabalhava como consultor da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e tinha reuniões agendadas com lideranças de comunidades do entorno da terra indígena.
Os dois foram vistos pela última vez na manhã do dia 5. Seus corpos só foram localizados no dia 15 de junho, quando a polícia já havia prendido pelo menos cinco suspeitos de envolvimento no desaparecimento da dupla.
Em julho de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Amarildo da Costa Oliveira (conhecido como “Pelado”), Oseney da Costa de Oliveira (“Dos Santos”) e Jefferson da Silva Lima (“Pelado da Dinha”) por dupla qualificação homicídio e ocultação dos corpos de Bruno e Dom. Outros dois suspeitos, Ruben Dário da Silva Villar (Colômbia) e Jânio Freitas de Souza, foram presos e indiciados pela Polícia Federal (PF).
O processo judicial está em andamento, mas a subseção do Judiciário Federal de Tabatinga (AM) ainda não definiu data para o julgamento dos três principais réus.
Violação de direitos
Para a Coalizão em Defesa do Jornalismo, a demora na justiça é um símbolo da grave situação de violações dos direitos humanos e das dificuldades para o exercício da profissão na Amazônia.
“Os assassinatos de Dom e Bruno foram mais uma violação de direitos humanos incluída em uma longa sequência de violência contra pessoas que defendem a Terra Indígena Vale do Javari e seus povos”, afirmam as organizações, enfatizando que a impunidade mantém outras pessoas em risco. que continuam lutando pela preservação do bioma e pelos direitos das comunidades amazônicas, inclusive dos comunicadores.
Segundo a coordenadora de Incidências dos Repórteres Sem Fronteiras na América Latina, Bia Barbosa, entre junho de 2022, quando Bruno e Dom foram mortos, e maio de 2024, foram registrados pelo menos 85 casos de agressões a jornalistas, comunicadores e veículos de comunicação nos nove estados. na região (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará. Rondônia, Roraima e Tocantins).
“Ouvimos dos comunicadores locais que existe um ambiente de medo e autocensura na região. Muitos relatam que pararam de publicar [uma informação] por medo de represálias. Mesmo entre aqueles que não receberam ameaças diretas ou foram atacados. Ou seja, estamos falando de um histórico de violência estrutural que perpetua esse clima de perigo para o exercício do jornalismo na região”, comentou Bia, destacando que o julgamento e a devida punição aos envolvidos nas mortes de Bruno e Dom são “uma oportunidade para o Estado brasileiro poder mudar esse cenário” de impunidade.
Medidas de precaução
Em 17 de agosto de 2022, ou seja, um mês após a localização dos corpos de Bruno e Dom, organizações da sociedade civil solicitaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que ordene ao Estado brasileiro que adote as medidas necessárias para proteger a pessoa humana. defensores de direitos humanos e jornalistas que atuam no Vale do Javari, incluindo 11 pessoas ligadas ao caso de Bruno e Dom, bem como ao território. A comissão acatou o pedido, ampliando a lista de medidas cautelares que havia determinado para o Brasil em junho de 2022.
Como resultado, em dezembro de 2023, foi criada uma Mesa Conjunta de Trabalho com a participação de representantes das organizações autoras da solicitação, do governo federal e da CIDH. Porém, passados seis meses, as medidas para evitar a repetição dos fatos, proteger a memória de Bruno e Dom, identificar todos os envolvidos no crime e ameaças contra aqueles que lutam pela conservação do Vale do Javari e do próprio território não foram devidamente implementado. , segundo Raquel da Cruz Lima, a partir do artigo 19.
“A nossa avaliação dos objectivos desta tabela é que, simplesmente, fizeram muito pouco progresso. Analisando cada uma das medidas estabelecidas no plano de ação, o que se verifica é que nenhuma delas foi efetivamente cumprida até o momento”, comentou Raquel, apontando o que classificou como “as duas deficiências mais graves” da obra:
“Não houve avanços suficientes em relação à implementação de medidas cautelares nos aspectos que as pessoas ameaçadas por estarem vinculadas à luta pela proteção do Vale do Javari permanecem sem [serem beneficiadas] por medidas concretas de proteção que garantam a continuidade do seu trabalho, ainda que tenham sido incluídos no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas [vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania], e reduziu as suas atividades públicas devido à contínua falta de proteção. A segunda deficiência é a falta de proteção das próprias terras do Vale do Javari”, finaliza Raquel.
Consultados, os Ministérios dos Direitos Humanos e da Cidadania e dos Povos Indígenas não se manifestaram no momento da publicação deste relatório. As secretarias, porém, participarão esta noite de um evento, no qual será apresentado um panorama das principais ações do governo federal para proteger o Vale do Javari. A Seção da Justiça Federal no Amazonas também foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos da secretaria. Agência Brasil.
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