A região metropolitana do Rio de Janeiro registrou, de 2017 a 2023, uma média de 17 confrontos por dia, totalizando 38.271 no período. Quase 50% dos confrontos mapeados contaram com a presença de policiais. Apesar dos números elevados, mais da metade dos bairros não são afetados por nenhum tipo de incidente.
Os dados fazem parte do estudo inédito Grande Rio em Disputa: Mapeamento dos Confrontos por Território, elaborado pela instituição e pelo Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), divulgado hoje. O trabalho considerou dados de tiroteios e operações entre 2017 e 2023 obtidos pelo Fogo Cruzado, Geni, Disque Denúncia e também pelo Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ) no período de 2017 a 2022.
Ao analisar todos os territórios ao longo destes anos, verifica-se que 60% dos bairros foram afetados por confrontos envolvendo policiais. Os 40% restantes registraram confrontos, mas sem a presença da polícia.
Para a diretora de Dados e Transparência do Instituto Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto, a segurança pública deve ser baseada em evidências, tanto no estado do Rio de Janeiro quanto no Brasil como um todo. “O problema é grave no Rio de Janeiro, mas quando confiamos nas evidências, podemos ver luz no fim do túnel.”
Nos bairros afetados pelos confrontos, a maioria regista eventos ocasionais e de baixa intensidade. “Essas são violências episódicas. Não se trata de violência crónica. Em média, apenas 3,7% dos bairros, a cada ano, foram afetados por conflitos regulares e de alta intensidade”, avalia Maria Isabel.
Um em cada quatro bairros afetados por confrontos foi caracterizado por conflitos envolvendo a polícia: 85% dos casos naquele bairro ocorreram com a presença da polícia. “Significa que o medicamento não está listado para a doença”, disse Maria Isabel, acrescentando que a solução oferecida para a segurança pública não se baseia em evidências da realidade enfrentada. Portanto, a medida está descalibrada e agravando o problema, enfatizou.
Segundo ela, uma política pública eficiente precisa levar em conta tais evidências para aplicar medidas corretas e nos locais necessários.
“Se os recursos bélicos, como fuzis, forem aplicados indiscriminadamente, em áreas de baixa intensidade e baixa regularidade de conflitos, a violência piora. A violência faz parte do problema e da solução. O que vemos é a polícia agindo indiscriminadamente e, às vezes, se tornando parte do problema”, disse Maria Isabel.
Distribuição
O Rio de Janeiro tem um número muito elevado de conflitos. Segundo o relatório, na região metropolitana do Rio de Janeiro ocorrem, em média, 17 confrontos por dia, totalizando 38.271 no período de sete anos. Maria Isabel ressalta, porém, que os conflitos não estão distribuídos igualmente entre os bairros da região metropolitana.
“Há uma concentração em determinadas áreas. E esta concentração não se deve apenas à cobertura geográfica. Padrões de concentração também são observados no que diz respeito à atuação das forças policiais e qual grupo armado é preponderante no território.”
De certa forma, eram esperados mais confrontos com presença policial em áreas de tráfico de drogas do que em áreas de milícias porque, para estes anos estudados, há uma área maior coberta pelo tráfico de drogas. Contudo, há uma disparidade notável na concentração de confrontos envolvendo policiais em áreas de tráfico de drogas, que é muito maior do que nas milícias. “Isso não se aplica apenas a quantos territórios cada grupo armado possui”, disse o diretor do Instituto Fogo Cruzado. “Há algo mais do que isso.”
Segundo o estudo, dos territórios dominados pelo tráfico de drogas, 70% registram conflitos envolvendo policiais. No caso das milícias, o percentual cai para 31,6%. “Há um padrão de desigualdade muito grande. Sob outra abordagem, verifica-se que para cada área dominada por facções do tráfico afetadas por confrontos sem polícia, há cinco bairros afetados por confrontos policiais. No caso da milícia, nesta mesma comparação, é um por um. Ou seja, cada área de milícia que tem confrontos sem a presença da polícia tem em troca uma área de milícia que registra confrontos policiais”.
Conquistas
Proporcionalmente falando, a polícia intervém muito mais nas zonas dominadas pelo tráfico de droga do que nas zonas dominadas pelas milícias. Maria Isabel destacou, porém, que os dados do mapa dos grupos armados não apontam para a conclusão de que o tráfico de drogas seja mais violento que as milícias. Houve um padrão de expansão desses grupos territoriais. Quando se fala em territórios conquistados por um grupo armado em decorrência de confrontos, verifica-se que o Comando Vermelho é quem acumula o maior número de áreas dominadas (45,3%). A milícia vem em segundo lugar, com 25,5%, e em seguida o Terceiro Comando Puro (TCP), com 23,3%. “O Comando Vermelho é o que mais ganha, mas também é o que mais perde”, comentou Maria Isabel.
Segundo o estudo, 78,5% dos territórios conquistados pelas milícias através de conflitos eram áreas controladas pelo Comando Vermelho.
“Os dados mostram que não é verdadeiro o mito do início dos anos 2000 de que a milícia era um mal menor, que se comportava em dinâmicas de violência diferentes das do tráfico de drogas e que existia para libertar a população do tráfico de drogas. As milícias também usam a força, o confronto, para dominar territórios.”
Segundo Maria Isabel, o que chama a atenção é que o Estado opta por intervir muito mais nas áreas de tráfico de drogas do que nas áreas de milícias.
Chama-se conquista quando um grupo armado domina um novo território através do confronto, estabelecendo uma relação de conflito para expulsar o que dominava aquela área. Colonização é quando a estratégia de expansão não envolve confronto. “Ou será o domínio de um território que antes não era controlado por ninguém, ou poderá ser, por exemplo, através da cooptação de lideranças locais, quando o líder local que era de uma facção passa para outro grupo. São, em geral, modelos de expansão.”
A análise do período de seis anos mostra que todos os grupos implementaram ambos os tipos de padrões de expansão. Mas a maior parte dos territórios foi conquistada pela colonização: 82,3% pelo TCP, 84% no caso do Comando Vermelho e 90% pela milícia. “A maior parte da expansão de grupos territoriais não ocorre como resultado de conflitos.”
A pesquisa sobre os confrontos no Grande Rio faz parte do projeto Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, lançado em 2021.
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