O Brasil formou e empregou mais mestres e doutores em 25 anos, os cursos estão mais bem distribuídos entre as regiões e há mais mulheres pós-graduadas.
Contudo, apesar das mudanças, permanecem assimetrias históricas, como a menor remuneração de mestres e doutores em comparação com colegas do sexo masculino com a mesma formação acadêmica. A proporção de pessoas com estas qualificações na sociedade como um todo ainda é baixa.
O retrato da pós-graduação no país está no estudo Brasil: Mestres e Doutores, produzido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social tutelada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), com sede em Brasília.
Segundo o CGEE, há “evidências claras do processo de desconcentração regional ocorrido na pós-graduação brasileira entre 1996 e 2021”. Segundo análise, a Região Sudeste concentrava 62% do número de cursos de mestrado brasileiros em 1996. Após 25 anos, essa participação caiu 20 pontos percentuais.
O mesmo fenômeno foi observado no doutorado. Em 1996, oito em cada dez cursos de doutorado estavam na região Sudeste (79,2%). No mesmo período, o peso da região caiu 29,6 pontos percentuais.
Como resultado, a geografia dos cursos também mudou. “Em 1996, 67,4% dos mestrados e 88,9% dos doutorados foram concedidos na Região Sudeste”, diz o estudo. Em 2021, “essas participações diminuíram para, respetivamente, 43,5% e 52,5%”.
Portfólio assinado
As mudanças atingiram o mercado formal de trabalho. Em 2009, 55,1% dos doutores e 49,2% dos mestres estavam empregados na região Sudeste. Em 2021, a prevalência de médicos na região mantém-se, mas já não é maioritária, caindo para 45,6% dos médicos empregados. No caso dos mestres com carteira assinada, a proporção caiu para 43,9%.
A redistribuição da pós-graduação no Brasil tem a ver com dois movimentos. Em primeiro lugar, a mobilidade de mestres e doutores, especialmente dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, para estados de outras regiões.
Em segundo lugar, o aumento da formação local, o que reduz a relevância de “importar” profissionais com mestrado e doutorado. “O fato de haver pós-graduação em todo o Brasil dificulta a mobilidade”, diz a socióloga Fernanda Sobral, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Desigualdade
Fernanda comemora a desconcentração, mas alerta para a recente queda no ritmo de crescimento dos cursos de pós-graduação. Entre 1996 e 2021, o número de programas de mestrado e doutorado passou de 608 para 4.691. O sucesso entre 2016 e 2021 foi menos intenso, porém. Segundo o CGEE, houve “uma clara desaceleração no processo de crescimento da pós-graduação brasileira nos últimos cinco anos da série analisada (1996-2021)”.
A redução do ritmo preocupa especialmente a comunidade científica porque o número de diplomados por habitante ainda é pequeno. Em 2021, o país contava com 27 mestres para cada grupo de 100 mil habitantes e 10,2 médicos para cada 100 mil habitantes. “Isso ainda é baixo. Isso tem a ver com a nossa desigualdade social, que é muito grande. “Ter nível de escolaridade é difícil”, diz Fernanda Sobral.
O vice-presidente da SBPC, que acompanhou o lançamento do estudo em Brasília, também destacou a menor remuneração paga às mulheres tituladas. Em 2021, o salário médio das mulheres com mestrado era de R$ 10.033,95 – 26,7% inferior ao que recebiam os homens com a mesma formação. No caso dos médicos, o salário médio naquele ano era de R$ 14.782,68 – 16,4% abaixo do que ganhavam os médicos.
Um detalhe importante é que a presença feminina é majoritária na pós-graduação. “A partir de 1997, as mulheres passaram a ser maioria entre os mestres no Brasil. A partir de 2003, eles também passaram a ser maioria entre os doutores. A participação das mulheres no total de mestrados e doutorados em 2021 foi, respectivamente, 13,6 e 11,2 pontos percentuais superior à participação dos homens.”
Os dados analisados pelo CGEE são provenientes das bases de informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Relação Anual de Informações Sociais (RAIS); e a Plataforma Sucupira, mantida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e responsável pela política de pós-graduação no Brasil.
Público e privado
Segundo dados secundários, o setor público emprega mais mestres e doutores do que as empresas privadas, principalmente por causa das universidades públicas federais e estaduais, que são grandes empregadoras de professores com essas habilitações acadêmicas.
Apesar da tendência, o CGEE captou maior demanda por mão de obra qualificada entre as entidades empresariais. “O que temos visto recentemente é que as entidades empresariais privadas começaram a desempenhar um papel importante na contratação de mestres – 25% do total de mestres que estão empregados trabalham hoje em entidades empresariais privadas”, afirma Sofia Daher, coordenadora do o estudo CGEE e doutorado em ciência da informação.
Segundo ela, a contratação de mestres e doutores pode ser fundamental em setores estratégicos como a indústria de transformação, que necessita de desenvolvimento tecnológico e inovação para ser competitiva. Pessoas com mestrado e doutorado “são responsáveis por criar novos conhecimentos e aplicar esses resultados”, afirma o coordenador.
“Temos conversado com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial que, em conjunto com outras instituições, tem discutido políticas que possam aumentar a absorção de mestres e doutores pelo setor empresarial privado, neste caso especialmente na indústria. A expectativa é que mestres e doutores tenham uma contribuição importante na geração de novos processos, aumentando a competitividade e a inovação, trazendo também importantes conceitos de sustentabilidade e responsabilidade social”, acrescenta Sofia Daher.
O estudo CGEE gerou mais de 330 tabelas que podem ser consultadas diretamente no site.
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