Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2023, o número de protocolos de moções de aplauso ou repúdio a diversos temas e personagens se multiplicou na Câmara dos Deputados. Refletindo a polarização política no país, as propostas têm sido movidas principalmente por parlamentares que apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sob a justificativa de que determinados assuntos causam “agitação” no Congresso.
As moções têm pouca utilidade do ponto de vista legislativo, mas, na opinião de especialistas ouvidos pela reportagem, o instrumento ajuda os parlamentares a ganhar engajamento principalmente nas redes sociais e a centralizar a discussão no mundo virtual em torno de “narrativas” e agendas . interesse desses grupos.
Nestes dois primeiros anos de governo Lula, mais de 2 mil pedidos desse tipo foram apresentados na Câmara. Nas comissões temáticas da Câmara, onde se analisa esse tipo de proposta, os parlamentares passam horas discutindo as moções, embora alguns deputados reconheçam reservadamente que elas têm pouca ou nenhuma utilidade prática.
Em 2024, parlamentares analisaram, por exemplo, expressões de elogios aos empresários Elon Musk, dono da , Anitta e Pabllo Vittar.
“(Os pedidos) servem, de certa forma, para demonstrar essa preocupação. Quando não há nada para fazer, o que resta na Lei se chama jus sperniandi. Direito da vítima de punir seu algoz”, afirmou o deputado José Medeiros ( PL-MT).
Este ano, mais de 130 pedidos de moção – de um total de 615 – foram votados e avançados em comissões. A maior parte deles foi processada pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, que domina a agenda. Uma em cada três propostas aprovadas no painel temático da Câmara era uma moção, seja de elogio ou de repúdio a alguém ou a algum tema.
SEGURANÇA PÚBLICA
O deputado pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) criticou esse tipo de iniciativa no colegiado. “Esta é uma comissão cuja maioria opta por lacrar as redes sociais e esvaziar um bom debate de ideias em segurança pública. A maioria tem uma posição extremista e o seu método é marcar posições sobre tudo, através de moções de aplausos e de repúdio”, afirmou. .
Integrantes do colegiado discordam e argumentam que, na Comissão de Segurança Pública, as propostas não ocupam muito tempo dos parlamentares e ajudam a evidenciar questões que consideram importantes. “Se você olhar os índices de produtividade, a comissão (de Segurança Pública) é uma das que mais produz. Os movimentos são rápidos, não consomem muita energia. deve ser destacada e tratada com a importância que o tema exige”, disse o deputado Marcos Pollon (PL-MS), um dos principais integrantes da bancada da bala.
Em geral, a maior parte desses pedidos serve para parabenizar personalidades próximas aos deputados por alcançarem funções relevantes em órgãos de segurança pública e enaltecer os policiais.
Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, as sucessivas moções propostas pela Comissão de Segurança Pública representam um aceno às redes sociais e são utilizadas como demonstração de força de um colegiado dominado por bolsonaristas.
“Se, na prática, a moção não surte efeito, politicamente e nas redes sociais, que são o principal espaço de atuação desses deputados, é uma forma de manutenção do quadro”, afirmou. “Parece que são muito mais poderosos do que realmente são, enquadram o debate e deixam o governo refém”.
Por ter maioria absoluta na diretoria, o presidente da Comissão de Segurança Pública e representante da bancada da bala, deputado Alberto Fraga (PL-DF), costuma organizar os pedidos em bloco, o que agiliza a votação. Segundo Fraga, não há como impedir que os deputados apresentem pedidos de moções. Seu dever, afirmou, é apenas fazer a filtragem para descartar propostas que não tenham relação com a área de segurança pública.
“Não posso impedir que os parlamentares façam moções de repúdio ou elogios. Quando a esquerda faz isso é porque sabe que a Comissão de Segurança Pública é a única em que o governo não aprova nada. aí”, declarou o deputado do PL.
ABORTO
Em alguns casos, os requisitos são tantos que causam confusão. Em sessão da Comissão de Família, em abril, o presidente do colegiado, deputado Pastor Eurico (PL-PE), colocou em pauta um pedido de apoio e outro de repúdio a uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe os médicos de realizarem um procedimento necessário para o aborto legal em gestações superiores a 22 semanas resultantes de estupro.
Os deputados tiveram então que discutir primeiro qual iniciativa prosperaria e o assunto foi para votação. Também dominado por parlamentares de Bolsonaro, o colegiado, após quase uma hora e meia de debates, aprovou uma moção de apoio à resolução do CFM.
AUTOPROMOÇÃO
Há casos de movimento até para autopromoção. O deputado Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde no governo Bolsonaro, propôs uma moção de aplausos aos integrantes do Grupo de Estudos de Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, do qual foi idealizador.
Segundo Pazuello, os integrantes do grupo que ele criou são “valiosos” e “contribuíram muito para a melhoria da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro e do país”. A proposta foi aprovada pela Comissão de Segurança em março.
Tarcísio de Freitas recebeu três salvas de palmas. Elas foram aprovadas, segundo parlamentares, pelo fato do governador de São Paulo ter tido uma “atuação exemplar de apoio ao Estado do Rio Grande do Sul”, pela “excelente gestão em relação às políticas de combate ao crime organizado em São Paulo ” e por ter feito um pedido de desculpas ao presidente de Israel, Isaac Herzog, após as declarações de Lula.
O bilionário Elon Musk foi homenageado “por expor e confrontar a censura política e infundada imposta pela justiça brasileira contra os usuários da plataforma no país”. O magnata se envolveu em um confronto com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para o cientista político Marco Antonio Carvalho, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), o excesso de moções “banaliza” as exigências, que assumem uma função mais ideológica. “Tudo isso tem a ver com posicionamentos e tem natureza ideológica”, afirmou. “O corte é de forte identidade política e religiosa”.
FUTEBOL
Uma partida de futebol motivou uma moção de repúdio apresentada pela deputada Helena Lima (MDB-RR). Ela representou o também deputado Nicoletti (União Brasil-RR), a quem acusou de ter “cercado” e “ofendido” um árbitro após sua equipe ser derrotada em jogo do Campeonato Roraimense.
Segundo Helena, Nicoletti disse que se tratou de “perseguição política” porque patrocina o time rival. A proposta chegou à Comissão de Esportes, mas foi arquivada. Para rebater as acusações do colega, Nicoletti também apresentou pedido de repúdio, que também foi protocolado.
RIO GRANDE DO SUL
Ao longo deste ano, uma moção provocou maior oposição do governo, que exigia votação nominal. O deputado pastor Henrique Vieira questionou a aprovação de uma moção aplaudindo o empresário Luciano Hang por ajudar as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. Vieira afirmou que a iniciativa foi uma tentativa de “politização da dor”.
Segundo o parlamentar do PSOL, artistas e celebridades de esquerda e direita estavam ajudando o Estado e não faria sentido homenagear apenas um empresário. O pedido foi rejeitado por falta de votos.
Já Lula foi alvo de uma moção de repúdio à “demora na mobilização do Exército Brasileiro para atuar no resgate e apoio ao Estado”. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.
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