Especialistas alertam para a necessidade de conscientização e conhecimento das mucopolissacaridoses (MPSs) e reforçam a importância do diagnóstico precoce por meio da ampliação do teste do pezinho e do tratamento mais adequado. O Dia Internacional da Conscientização das MPS foi comemorado este mês.
Também chamada de Síndrome de Hunter ou MPS-II, as MPS são doenças genéticas raras, sendo o tipo II o mais comum no Brasil. Sua presença é resultado de um defeito em um gene localizado no cromossomo X. Por esta razão, a síndrome ocorre quase exclusivamente em meninos.
Segundo o geneticista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Roberto Giugliani, a MPS é uma doença de armazenamento. “Nosso corpo é uma usina de reciclagem, sempre utilizando seus componentes. O mucopolissacarídeo é fabricado no corpo e é importante para o movimento das articulações e suporte dos órgãos. É um componente muito presente em diversas partes do corpo”, explicou Giygliani, que também é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e cofundador da Casa dos Raros.
Segundo o médico, ao mesmo tempo que o corpo produz essa substância, ele precisa destruir parte do que foi fabricado. Porém, em pessoas que possuem a Síndrome de Hunter, o corpo não entende que é necessário degradar a substância, gerando assim um excesso, que se acumula em diversos órgãos e causa diversos problemas e desequilíbrios no organismo. “O que causa essa falha no mecanismo de degradação é uma falha na sequência do DNA, alterando a produção da proteína que degrada o polissacarídeo responsável pela manutenção desse equilíbrio. Não é uma doença rara, mas sim ultrarrara, pois atinge menos de 1 a 70 mil indivíduos. Em nosso laboratório temos conhecimento de mais de 400 casos, mas é possível que existam mais no Brasil.”
Os sintomas são perceptíveis nos primeiros meses de vida: crianças com MPS-II podem apresentar aumento do fígado e do baço, rigidez articular, atraso na fala, dificuldade de atenção e perda de habilidades adquiridas, entre outras manifestações. Porém, esses sinais podem ser confundidos com outras patologias, fazendo com que o paciente procure diversos especialistas e passe por uma série de exames, às vezes tratamentos inadequados, até receber o diagnóstico correto, por meio de exames bioquímicos e genéticos.
“Dependendo do gene que está alterado, temos uma proteína que está alterada, e isso resulta em um quadro mais grave ou menos grave. Mesmo dentro do mesmo tipo, existem algumas variações, mas, nos casos mais graves, o paciente, que geralmente nasce com aparência normal, apresenta esse acúmulo progressivo de mucopolissacarídeos ao longo da vida e quando atinge a idade entre 10 e 20 anos. anos. com complicações muito grandes. Às vezes, os casos mais graves não sobrevivem à segunda década de vida”, disse Giugliani.
Pessoas com Síndrome de Hunter podem ter dificuldade para andar, devido a problemas articulares e ósseos, problemas cardíacos, devido às válvulas cardíacas, problemas de visão, porque a córnea fica opaca, perda auditiva, porque os ossos do ouvido são afetados, e problemas respiratórios, porque isso é difícil levar ar para os pulmões.
“A parte neurológica também pode ser afetada, com o indivíduo começando a vida bem e, após o segundo ou terceiro ano de vida, regredindo neurologicamente, perdendo algumas habilidades que tinha. A parte cognitiva começa a se degradar. A maioria dos pacientes tem esse comprometimento neurológico, que é, aliás, a parcela que temos maior dificuldade em tratar com os meios atualmente disponíveis”, acrescentou o médico.
Segundo Giugliani, não é difícil diagnosticar a doença, embora a maioria dos laboratórios não possua exames para esse caso. Por se tratar de uma doença rara, poucos laboratórios de referência permitem fazer o diagnóstico. “O mais difícil é um médico pensar nessa possibilidade e, uma vez que ele pensa na possibilidade, ele tem que procurar um laboratório que possa fazer esse exame. Porém, realizar o teste em laboratório não é complicado. São realizados dois exames bioquímicos para verificar a substância acumulada. Eles também podem fazer testes genéticos.”
Outra forma de detectar precocemente a síndrome é o teste do pezinho. Ampliar o exame para incluir as MPS seria uma forma de detectar rapidamente o tipo II, mais comum no Brasil, bem como outras doenças raras, garantindo tratamento adequado para minimizar os efeitos dessas patologias nos pacientes. O exame está previsto em lei desde 2021, mas o Brasil ainda enfrenta dificuldades para implementá-lo em toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS).
Novo tratamento
Atualmente, o tratamento disponível no Brasil para a MPS-II não é capaz de mitigar os efeitos neurológicos da doença devido à chamada “barreira hematoencefálica”, formada por um conjunto de células que atuam como um filtro altamente seletivo, que protege o sistema nervoso central de ataques de microrganismos e evita que medicamentos administrados por via oral ou injetados no sangue cheguem ao cérebro.
“Aos 3 anos, meu filho foi diagnosticado com mucopolissacaridose II. A medicação disponível no Brasil não conseguiu controlar o agravamento do quadro neurológico. Após incessantes pesquisas, descobri esse tratamento inovador e, desde então, venho trabalhando para convencer a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para que o tratamento se torne uma realidade para todos os pacientes com MPS II, e não apenas para o meu filho, que está participando de pesquisas clínicas”, disse Antoine Daher, pai de Anthony e presidente da Casa Hunter, fundada por ele para ajudar famílias que enfrentam doenças raras.
O novo tratamento, já aprovado no Japão desde 2021, permite que um medicamento administrado pela veia atravesse a barreira hematoencefálica e faça com que as moléculas cheguem ao sistema nervoso central. O medicamento que disponibiliza a enzima deficiente em pacientes com MPS II para todo o organismo, inclusive o sistema nervoso, ainda está em análise pela Anvisa. Pesquisas clínicas sobre o uso da alfapabinafuspe para tratamento de pacientes com MPS II são realizadas no Brasil desde 2018.
Os resultados da Fase II revelaram que o tratamento pode ser benéfico na manutenção ou estabilização do desenvolvimento neurocognitivo em pacientes com a forma grave da doença. Além disso, promove melhora dos sintomas corporais e da atenção nos pacientes com a forma atenuada, podendo ser utilizado no tratamento de ambas as formas, tanto das manifestações neurológicas quanto dos sintomas que ocorrem em todos os outros órgãos dos pacientes, levando a falhas. desses corpos ao longo do tempo.
“Nos estudos clínicos, os indicadores de eficácia do medicamento ficaram bem evidentes, com redução dos biomarcadores da doença no sangue, na urina e nos líquidos que indicam sua ação no sistema nervoso central.” Giugliani apontou outros fatores positivos como melhora cognitiva, diminuição medição do fígado e baço e melhora da respiração que demonstraram a eficácia do tratamento, que fez grande diferença na qualidade de vida dos pacientes e familiares.
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