Poucos dias antes das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, outra tragédia já havia atingido o estado, mais especificamente em Porto Alegre. Um grande incêndio na Pousada Garoa, no centro da cidade, que abrigava pessoas em situação de vulnerabilidade social, a maioria desabrigadas, deixou dez mortos e pelo menos cinco feridos. O incêndio na pousada acabou abrindo uma discussão sobre as condições oferecidas pelo poder público a esta população. A maior parte dos hóspedes ali hospedados teve sua estadia custeada por um programa de assistência social da prefeitura, e o caso está sob investigação das autoridades.
Depois deste episódio, ao qual se seguiu a catástrofe das cheias, o sistema de protecção social da capital ficou ainda mais prejudicado. Isso porque, das três unidades do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) da capital gaúcha, duas fecharam devido à enchente, permanecendo apenas uma em funcionamento. Dos três abrigos da capital, apenas dois ainda funcionam. Com o incêndio em Garoa e as enchentes, as vagas nas pousadas também diminuíram.
Segundo o último censo realizado pela prefeitura, havia cerca de 4,8 mil moradores de rua na capital, mas, dado o cenário atual do sistema de assistência social, deverá haver um aumento dessa população na cidade.
“Os viadutos da cidade estão cheios de moradores de rua. A prefeitura precisa organizar rapidamente os serviços para dar proteção social às pessoas, tanto mais abrigos quanto aumento da rede de assistência social. , fica mais inviável atender essa população”, aponta Sibeli da Silva Diefenthaeler, assistente social da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), órgão que implementa a política de assistência social no município, responsável pela oferta de serviços, programas e benefícios. A Fasc atua por meio de rede própria de assistência social e com organizações parceiras.
Destino incerto
Existem apenas três abrigos de emergência específicos para a população em situação de rua na cidade, e outro onde grande parte dos alojados tem esse perfil. O relatório de Agência Brasil visitei dois desses lugares.
Na Escola Estadual Júlio de Castilhos, Julinho, no centro da capital gaúcha, das cerca de 80 pessoas abrigadas, 55 são moradores de rua. Um deles é Márcio José Jungbut dos Santos, 48 anos, que gosta de ser carinhosamente chamado de Marcinho. “Ele estava na rua, não tinha onde dormir nem nada. Trabalhava como ambulante, vendendo tênis, dormindo na praça ou debaixo do toldo, para não chover”, relata. “Aqui no hostel pelo menos tem onde ficar, onde comer”, acrescenta.
Mas a permanência de Marcinho lá não deve durar muito, pois a escola pretende retomar as aulas na próxima semana. “Estou esperando o tipo de ajuda prometida pelo governo para poder pagar uma pensão, comer e trabalhar”, diz ele.
Quem vive situação semelhante é a empregada doméstica Icleia Machado, de 55 anos. Ela e o marido saíram às pressas de uma pousada no bairro Floresta, que ficou alagada. “Perdemos tudo. Estou esperando minha nova identidade para conseguir um emprego na limpeza urbana, como faxineira, para ganhar um salário mínimo”, diz. Ela também depende de ajuda governamental para tentar recomeçar. “Também estou esperando o governo liberar o auxílio para dar um jeito, porque a gente tem que sair daqui, o abrigo vai estar fechado. vamos atirar em nós na rua e deixar isso para Deus.” , ele protesta.
“Temos que buscar ajuda do governo, porque nossos dias estão chegando ao fim. A escola quer retomar as aulas. , e acabei sem nada”, diz Carlos Henrique da Rosa. Integrante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), Rosa, de 45 anos, morava em uma pensão também alagada, no bairro Menino Deus, no centro-sul de Porto Alegre. Ele disse que a Defesa Civil chegou a alertar sobre o aumento das águas, mas não imaginava a extensão da enchente.
“Tivemos que sair de madrugada e acabei dormindo na rua em uma área que não tinha alagado. Quando voltei no dia seguinte, desci na Praça Garibaldi, vi que não existia mais, vi nosso pensão cheia de água, o [Praça] Lupicínio [Rodrigues] não podia mais ser visto. Na hora, meu coração disparou, e alguns minutos se passam e então vejo um Esqui a jato puxando um barco, em plena Avenida Érico Veríssimo. Não pude acreditar na cena”, lembra Carlos Henrique da Rosa.
Desmobilização
No extremo sul de Porto Alegre, no bairro Restinga, a Amurt Amurtel, organização da sociedade civil que atua na cogestão da política de assistência social, ainda mantém um abrigo temporário para moradores de rua desde o dia 5 de maio. São cerca de 30 pessoas acolhidas. Uma delas é Miriã Sebajes, 36 anos.
“Sou um morador de rua, ninguém está livre disso. Ninguém está livre do que está acontecendo no mundo, não quer abrir os olhos. a catástrofe natural no Rio Grande do Sul. Miriã não quer sair do abrigo temporário sem ter onde morar.
“Tem muita violência nas ruas. Perdi meus irmãos para o tráfico, estou na rua, longe do meu filho. refúgio, comecei a surtar e a entrar em depressão”, conta Miriã Sebajes.
Quem também está inseguro quanto ao futuro é Fabiano Gomes da Rosa, 49 anos. Ele morava em uma das pousadas do centro, como a Garoa, paga pela prefeitura. “O ambiente era insalubre, não tinha janelas. Lá não havia alagamento, mas ficamos muito tempo sem água e luz, então me recomendaram vir para o abrigo”, conta. Agora, aguarda a possibilidade de construir uma casa. Uma das alternativas defendidas pela assistência social seria o sistema de abrigo em república, uma forma de moradia subsidiada para grupos de idosos em estado de abandono, em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com famílias desestruturadas ou extremamente frágeis. vínculos e sem condições de moradia e autossuficiência.
“Hoje, infelizmente, ainda não temos uma perspectiva para essas pessoas. A nossa ideia, das equipes que estão aqui, é pressionar o poder público de todas as formas, para que todos consigam uma organização para quando saírem daqui. ”, afirma Ana Cristina Aguiar, coordenadora de projetos sociais da Amurt.
A reportagem entrou em contato com a direção da Fasc, responsável pela prefeitura em relação à política de assistência social, mas, até o momento, não obteve resposta.
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