O aroma agradável do café pode ser um elemento importante na redução do vício do fumo. Essa foi a conclusão de um estudo preliminar realizado por pesquisadores brasileiros com 60 fumantes, dos quais 30 inalaram o aroma do pó de café e metade voltaram a fumar.
Pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) descobriram, em 2014, que a fragrância do café ativa uma região específica do cérebro, que faz parte do sistema de recompensa, principalmente o núcleo acumbens, estrutura cerebral que também é ativada com substâncias psicoativas, como a cocaína. “Esse sistema de recompensa é acionado com atividades prazerosas como, por exemplo, ouvir música, fazer sexo, tudo que dá prazer, inclusive beber água, mas também é um sistema que pode ser mal utilizado por meio de substâncias psicoativas”, confirmou a pesquisadora do IDOR e diretor científico do Café Consciência, comece sócia de biotecnologia do instituto, Silvia Oigman.
Como o café ativou intensamente essa região do cérebro, os pesquisadores decidiram usar o aroma do café para substituir a vontade de fumar nos participantes de um segundo pequeno ensaio clínico, realizado com 16 fumantes, em 2016. Esse ensaio serviu de base para o estudo maior, realizado em 2022, com 60 fumadores, cujos resultados foram agora divulgados.
Resultados
Silvia Oigman relatou nesta segunda-feira (3) que de metade dos 60 fumantes expostos à fragrância do aroma do café, 50% fumaram logo após a intervenção. Entre a outra metade dos participantes, que não inalou a fragrância do café, mas sim uma fragrância neutra à base de sabonete, 73,3% voltaram a fumar. “Foi um número significativo, mas não significativo. Na prática, não houve diferença estatística. Mas é um resultado considerado um indicador do potencial desta abordagem, inclusive por se tratar de um ensaio clínico piloto. Estávamos fazendo um estudo preliminar com a fragrância do pó de café. Não é a fragrância final que esperamos usar para um paciente real”, explicou Silvia.
Segundo Silvia, o ensaio clínico foi importante para que os pesquisadores encontrassem questões a serem resolvidas e realizassem um novo ensaio de maior porte. O ensaio clínico foi conduzido durante seis meses. “Não foi tão rápido quanto gostaríamos. Quando lidamos com fragrâncias, como borra de café e vinho, elas perdem muitos voláteis. Embora o armazenamento e toda a entrega tenham sido monitorados e realizados da melhor forma possível, a qualidade cai com o tempo”, afirmou o pesquisador do IDOR. Esse foi um aspecto que pode ter prejudicado o desempenho da fragrância. “É nesta vertente que pretendemos atuar.”
A pesquisa recebeu investimentos de R$ 373 mil da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Formulação terapêutica
O projeto final visa utilizar a fragrância do café para reduzir o desejo pelo consumo de tabaco por usuários crônicos. Silvia afirmou que a ideia é avançar mais e dar continuidade ao projeto. “Entendemos o resultado obtido como um indicador de potencial.” Os investigadores estão agora a desenvolver uma formulação terapêutica à base de voláteis do café e vão adaptá-la num dispositivo eletrónico para realizar um novo ensaio clínico com um maior número de fumadores. “Ainda faltam alguns passos até que isso seja feito.” A expectativa é que essa nova fase do projeto seja realizada antes de 2026. A abordagem multidisciplinar é liderada por especialistas brasileiros em diversas áreas.
Silvia desconhece a existência de outros grupos de pesquisa que utilizam a inalação inofensiva do aroma do café como ativador do sistema de recompensa para fins medicinais. Os resultados obtidos até agora levaram o grupo a depositar e ter nove patentes concedidas nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Mais três patentes estão em andamento no Brasil, Austrália e Canadá.
De acordo com as últimas estimativas do relatório sobre tendências do tabaco da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgado em Janeiro deste ano, existem 1,25 mil milhões de adultos consumidores de tabaco em todo o mundo. A dependência do tabaco mata mais de 8 milhões de pessoas anualmente, sendo que mais de 7 milhões destas mortes resultam do consumo direto do tabaco, enquanto mais de 1,2 milhões de mortes são causadas por fumadores passivos.
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