“Hoje sou uma mulher de luta e de letras!”, assim resumiu a octogenária Sebastiana Campos a nova etapa de sua vida. Nascida na cidade maranhense de Grajáu, Sebastiana perdeu a infância desde cedo pela necessidade de ajudar os pais no trabalho rural. Uma vida dura, com caminhadas diárias de vários quilómetros até à quinta onde a família ganhava a vida. Alguns anos depois, como milhões de brasileiros, ela migrou para a Região Sudeste em busca de melhores condições de vida. Sebastiana contou sua história nesta quinta-feira (6) durante o lançamento do Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos (EJA), em Brasília
No Rio de Janeiro, Sebastiana trabalhou como empregada doméstica, casou-se, teve filhos, netos e bisnetos. Aos 82 anos, ela decidiu que iria realizar o seu sonho de infância, o da criança que acordava cedo e caminhava pela estrada de terra da sua aldeia para ir à escola. No caminho, ela cantou músicas e até imaginou um futuro melhor, longe do trabalho duro que enfrenta no dia a dia. Esse futuro “sonhado” não se concretizou e Sebastiana virou estatística como um dos milhões de brasileiros que não sabem ler nem escrever.
Segundo o Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 11,4 milhões de brasileiros com mais de 15 anos não são alfabetizados. Entre os brasileiros nessa faixa etária, 10,1% dos que não sabem ler nem escrever são negros, 8,8% são pardos e 4,3% são brancos.
Entre os da Educação de Jovens e Adultos, mais de 57 milhões estão em áreas urbanas (79,3%); e 15 milhões, em áreas rurais (20,5%). Apesar dessa enorme procura por vagas, ainda existem 1.008 municípios que não oferecem educação para jovens e adultos, segundo o Censo Escolar de 2023.
A realidade de Sebastiana começou a mudar quando, aos 82 anos, ela se matriculou na Educação de Jovens e Adultos (EJA), no ano passado, mais precisamente em São Cristóvão, no Rio de Janeiro.
“Hoje, com oitenta anos, ganho um salário mínimo e tenho todo mundo em casa crescido. Aí, me lembrei de novo, fui atrás de mim, da menina da estrada que um dia ia para a escola. Agora sou estudante e agradeço hoje a oportunidade de poder realizar meu projeto de estudo e digo que nunca é tarde para realizar sonhos”, disse Sebastiana.
Morando na periferia de Recife (PE), mãe solteira, com dois filhos, sem formação nem profissão, Alexandra Patrícia de Melo, 29 anos, teve que abandonar a escola no início da adolescência devido a uma gravidez não planejada. Além da gravidez, o machismo estrutural também contribuiu para interromper o percurso de estudos da jovem, pois o seu companheiro na altura proibiu-a de frequentar a escola.
“Essas duas situações que vivi me negaram a possibilidade de continuar os estudos. Por conta dessa trajetória, não consegui construir uma carreira, nem ter uma profissão para poder sustentar minha família, que depende de mim. Em 2023, entrei no Projovem Urbano, o que representou para mim uma oportunidade de mudar meu contexto de vida. Ao contrário da minha mãe, que é analfabeta e trabalhou a maior parte da vida em casa de família, procuro o melhor para mim e para os meus filhos no futuro”, disse a jovem durante o evento.
Voltado para estudantes entre 18 e 29 anos que sabem ler e escrever, mas que não concluíram o ensino fundamental, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem) tem como objetivo ampliar a escolaridade, aliando a conclusão dessa etapa à qualificação profissional e ao desenvolvimento de ações comunitárias com o exercício da cidadania.
“Isso, sem dúvida, representa um diferencial para mulheres como eu, que lutam por um futuro melhor”, disse Alexandra. “Se hoje leio o mundo, escrevo a minha própria história, é porque existiram políticas como estas, que deram a muitos jovens, adultos e idosos a possibilidade de reescreverem as suas vidas”, acrescentou.
Compromisso
O objetivo do pacto é superar o analfabetismo e aumentar o nível educacional da população com mais de 15 anos que não acessou ou concluiu o ensino fundamental e médio. A medida prevê a colaboração entre municípios, estados e Distrito Federal para oferecer ensino de qualidade, com múltiplas metodologias e abordagens, além da disponibilização de recursos didáticos condizentes com o público da EJA.
Durante o lançamento do pacto, a secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC), Zara Figuereido, a medida representa uma reparação histórica, especialmente para a população pobre e negra das regiões Norte e Nordeste.
“O pacto representa uma dívida histórica, moral e ética com a população mais pobre, mais negra e mais marcada regionalmente, nordestina e setentrional”, disse Zara, cuja mãe, analfabeta e apelidada de Nigrinha, é personagem central do vídeo de divulgação do Convênio.
Para o ministro da Educação, Camilo Santana, o pacto representa o entendimento federativo para enfrentar o desafio de garantir a educação de jovens e adultos.
“Através deste pacto queremos atacar as frentes do analfabetismo e da baixa escolaridade e queremos que isso aconteça em ambos os casos o mais integrado possível na educação profissional”, disse o ministro.
Segundo o MEC, a iniciativa oferecerá 3,3 milhões de novas matrículas na educação de jovens e adultos nos sistemas públicos de ensino (inclusive entre estudantes privados de liberdade), além de oferecer educação profissional integrada.
O Programa Brasil Alfabetizado (PBA) será retomado com a oferta de 900 mil vagas para estudantes e 60 mil bolsas para educadores populares. Criada em 2003, a PBA oferece alfabetização para maiores de 15 anos com flexibilidade e diversidade de locais de funcionamento e horários de aula. As aulas podem ser instaladas em espaços comunitários, facilitando o acesso ao programa para jovens, adultos e idosos que não sabem ler e escrever.
“O analfabetismo tem cor, raça e é marcado regionalmente, a maioria é negra, está na zona rural e é nordestina.”, destacou Santana.
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